A Abordagem Ética de Aristóteles
Aristóteles seguiu Platão e Sócrates nas questões que ele identificou como centrais para o estudo da ética. A pergunta chave de Sócrates é: “Que tipo de vida se deve viver?”. No NE Aristóteles levanta esta questão em termos da noção de um bem último. Ele observa que se existe algum bem último ao qual todos nós aspiramos em ações não será de pouca importância descobri-lo (NE, 1094a 1-26). Ele observa então que todos concordam verbalmente que o bem último humano é uma vida de eudaimonia (NE, 1094a 14-20). Apesar deste acordo verbal, há discordância sobre em que consiste a eudaimonia. Então a pergunta chave de Aristóteles é, de fato: “Em que consiste eudaimonia?”
Duas observações sobre esta abordagem valem a pena fazer no início. Primeiro, a questão do que Aristóteles quer dizer com eudaimonia é um assunto de alguma disputa. O que já foi dito é simplesmente que há um consenso geral de que é o bem humano final. Segundo, Aristóteles inicia a discussão desta questão com a afirmação de que toda a ação humana visa a algum bem. Isto também precisa de exame, mas este ponto de partida já mostra como para ele uma compreensão da ética está ligada a uma compreensão completa da natureza da ação humana.
Aristóteles também tem em mente, como Sócrates e Platão, uma segunda questão: “Será que a virtude compensa?” Ele não levanta esta questão explicitamente, mas está implícita na sua investigação da relação entre a vida da virtude e a da eudaimonia. A questão de saber se a virtude paga é muito parecida com a questão contemporânea: “Porquê ser moral?”, salvo que é expressa aqui em termos da linguagem da virtude. Ao adotar essa linguagem, então, Aristóteles está seguindo Sócrates e Platão no desenvolvimento de uma abordagem ética que se concentra nas virtudes. Ele é um teórico das virtudes. Mas ele não está apenas seguindo as autoridades. Falar de virtudes como justiça e coragem foi central para a linguagem cotidiana de louvor e culpa em seu tempo, com vícios e outros defeitos de caráter igualmente relevantes. Essa linguagem ainda faz sentido também. No dia-a-dia, os gritos de justiça são ouvidos em todo o mundo e aqueles que são corajosos, ou justos, ou sábios, ainda são comumente considerados admiráveis. Ao abordar a questão de saber se a virtude compensa, os pensadores gregos reconheceram que a reflexão precisa nos explicar por que é justificável admirar o virtuoso. Para que tais atitudes comuns sejam mantidas, a reflexão precisa mostrar que elas não estão erradas.
Uma teoria da virtude como a de Aristóteles tem acesso a um rico vocabulário para a reflexão ética. A preocupação de Aristóteles não é simplesmente com o certo e o errado, mas com coragem e covardia, sabedoria e insensatez, justiça e injustiça. Sua discussão é também uma discussão que pode permitir que essa fraqueza de caráter, ou força de caráter (NE, 1145a 15-20), seja explicada por uma adequada teoria moral. Neste tipo de abordagem, sua abordagem tem sido considerada mais sensível do que as teorias contemporâneas rivais às nuances do debate moral cotidiano.
A ética de Aristóteles, então, tem um amplo quadro proporcionado pelas duas questões mencionadas acima. Dentro desse quadro surgem outras questões. Primeiro, ao examinar em que consiste a eudaimonia, ele leva em conta os pontos de vista existentes proeminentes. Na República (540a-b), Platão tinha indicado que os reis filósofos da vida desejariam realmente perseguir uma questão ou reflexão intelectual. Os antecessores também haviam debatido o valor do prazer em uma boa vida e a importância de outros bens externos, como riqueza e amizade. Assim, Aristóteles está interessado no papel de todos esses concorrentes numa vida eudaimon. Isso surge diretamente do atendimento à sua primeira pergunta, mas sua resposta a isso o leva a discutir a natureza tanto da amizade quanto do prazer; e a se concentrar no papel da teoria (contemplação, ou compreensão reflexiva, talvez) dentro da eudaimonia.
Segundo, enquanto que Aristóteles precisa explicar a natureza da eudaimonia, claramente qualquer relato de sua relação com a virtude exige que ele também forneça uma definição de virtude. Assim, ele enfrenta a questão socrática “O que é isso?” tanto em relação à virtude como um todo quanto em relação a virtudes específicas. Do mesmo modo, ele também precisa abordar a questão da relação entre as virtudes, se elas constituem uma unidade, ou se são de algum modo idênticas. Então, ao desenvolver um relato completo, ele deve concentrar-se no papel das virtudes seminais como a justiça e a coragem, assim como a sabedoria prática (phronesis), uma virtude intelectual particularmente importante para a virtude ética.
Terceiro, a discussão da virtude leva a uma discussão sobre a motivação para a ação. Nos primeiros diálogos platônicos, o que parece ser um relato socrático da virtude é desenvolvido, um em que todos os desejos visam o bem e a virtude é assim identificada com o conhecimento (do bem), uma posição que leva Sócrates a rejeitar a possibilidade da fraqueza da vontade (como relatado por Aristóteles (NE, 1145b 21-35)). Na República (434e-444e), Platão desenvolve uma psicologia moral que abre espaço para tal fenômeno, e assim exigirá um relato diferente da virtude. Apesar de suas diferenças, o que estes dois predecessores deixam claro é que existe uma conexão estreita entre virtude e ação e, em particular, que um relato adequado da virtude envolverá uma psicologia moral devidamente desenvolvida. Aristóteles também os segue, tomando-a como uma restrição à adequação de uma teoria de que ela deve dar um relato psicológico satisfatório de condições defeituosas, tais como fraqueza da vontade e do vício. Assim, o relato de Aristóteles focaliza a natureza da motivação (ética) e em particular o papel da razão e do desejo na ação, e assim sua parte numa definição defensável da virtude.
Finalmente, Aristóteles observa no início do NE que a ética é um ramo da filosofia política (NE, 1094a 24-8). Assim para ele a investigação da eudaimonia levanta a questão da relação entre a realização do bem último e o tipo de sociedade em que um cidadão habita. Este foi, naturalmente, um tema chave da República de Platão. Aristóteles leva o assunto mais longe através de uma discussão da natureza humana, e do desenvolvimento humano propriamente dito, retomado também nos primeiros capítulos da Política (1252a 1-1253a 39). Para Aristóteles, portanto, também a discussão do indivíduo virtuoso se entrelaça com a reflexão sobre a sociedade justa.
Se estas são as questões que a teoria ética de Aristóteles abraça ao abordar suas duas questões principais, um esboço de sua abordagem pode concluir indicando a natureza geral de sua resposta a essas questões.
Tomando as duas questões acima em ordem inversa, Aristóteles defende o ponto de vista de que a virtude de fato compensa. Ele mostra isso argumentando que a vida ativa da virtude prática, não uma vida de riqueza ou prazer, por exemplo, constitui eudaimonia.
Para defender mais plenamente essa afirmação de que a virtude vale a pena, Aristóteles desenvolve suas concepções tanto de eudaimonia quanto de virtude. Seu relato de eudaimonia repousa sobre um argumento que ele introduz a respeito da natureza humana. Isto porque, a seu ver, o bem humano último é produzido quando um humano cumpre sua natureza, realiza (ou atualiza) seu potencial distintamente humano. (Num quadro metafísico aristotélico, os membros de uma espécie biológica como os humanos consistem num conjunto de poderes ou potenciais que são realizados ou actualizados ao longo do tempo. Assim, podemos dizer que uma criança humana tem o potencial de falar uma língua e, se for devidamente nutrida e educada, o ser humano em desenvolvimento perceberá ou atualizará esse potencial, tornando-se um falante fluente. No que se segue vou usar a terminologia de “realizar” o potencial). O potencial distintamente humano (ou potencial essencial) é o potencial de viver uma vida guiada pela razão. Assim, o bem humano final é alcançado quando um indivíduo realiza plenamente o seu potencial de racionalidade. Assim, a resposta de Aristóteles à primeira pergunta é que a eudaimonia consiste em uma vida maximamente racional.
Aristóteles então produz e defende uma concepção de virtude prática tal que uma vida de virtude prática exibirá racionalidade maximamente (pelo menos na esfera prática). Assim, ele argumenta que as virtudes são estados de caráter que permitem ao agente raciocinar (praticamente), e assim agir, plenamente racionalmente.
Então é que a vida virtuosa produz eudaimonia. A vida virtuosa é a vida plenamente racional e os seres humanos são tais que o bem humano final, a eudaimonia, é realizado numa vida plenamente racional. Assim a virtude prática e a eudaimonia estão ligadas, na visão de Aristóteles, pelo conceito de racionalidade, e sua concepção da natureza humana como tendo um objetivo ou telos, de tal forma que o homem florescente desenvolve plenamente essa racionalidade.
Como foi observado anteriormente, Aristóteles está ciente das opiniões amplamente defendidas de que o prazer, a riqueza, a amizade e a boa família são valiosos, e ele procura acomodar essas opiniões dentro de sua teoria. Assim, ele argumenta que a vida plenamente virtuosa é de fato agradável, fornecendo um argumento que depende de uma análise da natureza do prazer. Ele também indica a relevância da riqueza e da família para a virtude. Finalmente ele analisa a amizade sugerindo que sua forma paradigmática é a amizade do virtuoso, e indicando que seu significado está relacionado à importância do estado na realização de uma vida virtuosa individual.
Para começar, porém, as observações de Aristóteles sobre o método na ética precisam de atenção. Elas ajudam a explicar como ele chega à sua posição, além de revelar o que ele considera ser o propósito da teoria ética. Estes dois pontos são relevantes para o uso da teoria aristotélica na ética aplicada.