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Este artigo é adaptado por Thanissaro Bhikkhu do workshop que ele ensinou sobre “Buda, Dhamma, Sangha: O Triplo Refúgio” no Barre Center for Buddhist Studies em 16-18 de junho de 1995.
O ato de buscar refúgio marca o ponto onde se decide tomar o Dhamma como o principal guia para a conduta na vida de alguém. Isso significa que a relação com a prática do Dhamma amadureceu de um simples envolvimento para um compromisso. Para entender porque esse compromisso é chamado de “refúgio”, é útil olhar para a história do costume.
Na Índia pré-budista, ir em busca de refúgio significava proclamar a lealdade de alguém a um patrono – uma pessoa poderosa ou deus – submetendo-se às diretrizes do patrono na esperança de receber em troca proteção contra o perigo. Nos primeiros anos da carreira de ensino de Buda, seus novos seguidores adotaram esse costume para expressar sua lealdade a Buda, Dhamma e Sanga, mas no contexto budista esse costume assumiu um novo significado.
O budismo não é uma religião teísta, e assim uma pessoa que se refugia no sentido budista não está pedindo para o Buda intervir pessoalmente para prover proteção. Ainda assim, os ensinamentos de Buda centram-se na compreensão de que a vida humana está repleta de perigos – de ganância, raiva e ilusão – e por isso o conceito de refúgio é uma parte central do caminho da prática, na medida em que a prática tem como objetivo obter liberação desses perigos. Porque tanto os perigos como a libertação deles vêm em última instância da mente, há uma necessidade de dois níveis de refúgio: refúgios externos, que fornecem modelos e diretrizes para que possamos identificar quais qualidades na mente levam ao perigo e quais libertar; e refúgios internos, ou seja, as qualidades que levam à libertação que desenvolvemos em nossa própria mente, imitando nossos modelos externos. O nível interno é onde o verdadeiro refúgio é encontrado.
A tradição de ir para o refúgio ainda é relevante para nossa própria prática hoje em dia, pois nos deparamos com os mesmos perigos internos que enfrentaram as pessoas no tempo de Buda. Nós ainda precisamos da mesma proteção que eles. Refugiar-se no sentido budista é essencialmente um ato de refugiar-se na doutrina do karma. É semelhante a um ato de submissão em que se está comprometido a viver de acordo com a crença de que ações baseadas em intenções habilidosas levam à felicidade, enquanto ações baseadas em intenções não habilidosas levam ao sofrimento; é semelhante a um ato de reivindicar proteção em que se confia que, seguindo os ensinamentos, não se cairá nas desgraças que o mau carma gera. Refugiar-se desta forma, em última análise, significa refugiar-se na qualidade das nossas próprias intenções, pois é aí que reside a essência do karma.
Os refúgios externos no budismo são o Buda, Dhamma e Sangha, também conhecidos como a Gema Tríplice. Elas são chamadas gemas, tanto porque são valiosas quanto porque, nos tempos antigos, acreditava-se que as gemas tinham poderes protetores. A Gema Tripla supera outras gemas neste aspecto porque seus poderes protetores podem ser postos à prova e podem levar mais longe que os de qualquer gema física, até a liberdade absoluta das incertezas do reino do envelhecimento, doença e morte.
O Buda, no nível externo, refere-se a Siddhattha Gotama, o príncipe indiano que renunciou aos seus títulos reais e foi para a floresta, meditando até que finalmente ganhou o Despertar. Refugiar-se no Buda significa, não refugiar-se nele como pessoa, mas refugiar-se no fato de seu Despertar: colocar confiança na crença de que ele realmente despertou para a verdade, que ele o fez desenvolvendo qualidades que nós também podemos desenvolver, e que as verdades para as quais ele despertou fornecem a melhor perspectiva para a conduta de nossa vida.
O Dhamma, no nível externo, refere-se ao caminho da prática que Buda ensinou aos seus seguidores. Este, por sua vez, é dividido em três níveis: as palavras de seus ensinamentos, o ato de colocar esses ensinamentos em prática, e a realização do Despertar como resultado. Esta divisão em três níveis da palavra “Dhamma” é essencialmente um mapa mostrando como pegar os refúgios externos e torná-los internos: aprender sobre os ensinamentos, usá-los para desenvolver as qualidades que o próprio Buda usou para alcançar o Despertar, e então perceber a mesma liberação do perigo que ele encontrou na qualidade de Desmortecimento que podemos tocar dentro.
A palavra Sanga, no nível externo, tem dois sentidos: convencional e ideal. No seu sentido ideal, a Sanga consiste em todas as pessoas, leigas ou ordenadas, que tenham praticado o Dhamma ao ponto de ganhar pelo menos um vislumbre do Deathless. Em um sentido convencional, a Sanga denota as comunidades de monges e monjas ordenadas. Os dois significados se sobrepõem, mas não são necessariamente idênticos. Muitos membros da Sanga ideal não são ordenados; muitos monges e freiras ainda não tocaram no Imortal. Todos aqueles que se refugiam no Buda, Dhamma e Sanga tornam-se membros da assembléia quádrupla (parisa) de monges seguidores, monjas, homens leigos e mulheres leigas. Embora seja amplamente acreditado que todas as pessoas envolvidas na prática do Dhamma são membros da Sanga, este não é o caso. Apenas aqueles que são ordenados são membros da Sanga convencional; apenas aqueles que vislumbraram o Deathhless são membros da Sanga ideal. No entanto, todos aqueles que se refugiaram na Tripla Gema, mas não pertencem à Sanga em nenhum dos sentidos da palavra ainda contam como verdadeiros budistas, pois são membros da parisa de Buda.
Ao refugiar-se na Sanga externa, refugiamo-nos em ambos os sentidos da Sanga, mas os dois sentidos proporcionam diferentes níveis de refúgio. A Sanga convencional tem ajudado a manter os ensinamentos vivos por mais de 2.500 anos. Sem ela, nunca teríamos aprendido o que o Buda ensinou. Entretanto, nem todos os membros da Sanga convencional são modelos confiáveis de comportamento. Portanto, quando se procura orientação na condução da vida, deve-se olhar para os exemplos vivos ou registrados fornecidos pela San Glia ideal. Sem o seu exemplo, nós não saberíamos: (1) que o Despertar está disponível para todos, e não apenas para Buda; e (2) como o Despertar se expressa em real
No nível interno, Buda, Dhamma e Sanga são as qualidades hábeis que desenvolvemos dentro de nós mesmos na imitação de nossos modelos externos. Por exemplo, o Buda foi uma pessoa de sabedoria, pureza e compaixão. Quando desenvolvemos essas qualidades, elas formam nosso refúgio em um nível interno. O Buda experimentou o Despertar cultivando convicção, persistência, atenção, concentração e discernimento. Quando desenvolvemos essas mesmas qualidades a ponto de alcançarmos o Despertar também, que o Despertar é nosso refúgio final. Este é o ponto onde os três aspectos da Gema Tripla se tornam um só: além do alcance da ganância, da raiva e da ilusão, e assim totalmente seguros.